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Especialistas contestam originalidade de IA ‘brasileira’ no radar de Lula

Postado em: 26/08/2024 | Por: Emerson Alves

O lançamento do Amazônia IA, promovido pela startup Widelabs, está gerando controvérsias no setor de inteligência artificial, com especialistas questionando a originalidade e o impacto da tecnologia anunciada.

No dia 30 de julho, durante o evento de lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (Pbia), a startup Widelabs apresentou o Amazônia IA, definido como “o primeiro modelo de linguagem grande (LLM) conversacional robusto em português brasileiro”. No entanto, a alegação de pioneirismo e originalidade levantou dúvidas entre os pesquisadores e profissionais da área de IA, que criticam a empresa por ignorar iniciativas anteriores e por vender uma ideia de produto 100% nacional, algo que consideram impraticável no curto prazo.

Leia também: Como a inteligência artificial funciona: Entenda os princípios e tecnologias por trás da IA.

Repercussões no setor de IA

Nelson Leoni, CEO da Widelabs, admitiu à Folha que o Amazônia IA foi desenvolvido a partir do aperfeiçoamento de um modelo de IA existente, um processo conhecido como “fine tuning”. Segundo Leoni, a empresa nunca afirmou ter treinado o modelo do zero, mas a forma como o produto foi apresentado ao público sugere, para alguns críticos, uma falta de transparência. Especialistas apontam que o fine tuning é um treinamento superficial que não cria um modelo 100% original.

Em comunicações institucionais, a Widelabs promove o Amazônia IA como um modelo que “nasceu no Brasil”, com “língua 100% brasileira” e “nativo em português”, o que pode induzir à interpretação de que não foram utilizados modelos estrangeiros na sua criação. Contudo, o processo de desenvolvimento de um grande modelo de linguagem (LLM) é complexo e caro, exigindo investimentos que podem ultrapassar dezenas de milhões de dólares, algo ainda fora do alcance de startups brasileiras.

A crítica dos especialistas

Diogo Cortiz, professor da PUC e especialista em IA, afirma que não existe, até o momento, um LLM desenvolvido integralmente no Brasil. Ele destaca que o treinamento de um modelo do zero requer uma infraestrutura massiva e um volume de dados muito superior ao que está disponível em português na internet.

Flávio Nakasato, sócio da NoveloData, ressalta que o processo de fine tuning, embora útil para moldar a comunicação de um modelo, não elimina problemas comuns, como vieses e alucinações. Ele critica a ideia de que o Amazônia IA seja totalmente original, afirmando que o modelo é mais uma versão personalizada de um LLM pré-existente.

Desafios para uma IA soberana

A Widelabs não divulgou qual modelo de linguagem foi utilizado como base para o Amazônia IA, mas garantiu que o modelo foi construído com dados públicos, sintéticos e adquiridos comercialmente, todos em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A empresa promete disponibilizar o Amazônia IA para desenvolvedores no início de setembro, permitindo que o modelo seja testado de forma mais ampla.

No entanto, o anúncio do Amazônia IA como uma conquista de tecnologia brasileira gerou críticas no LinkedIn e em outras plataformas. Profissionais do setor, como Rodrigo Nogueira, CEO da Maritaca AI, pediram mais transparência e questionaram a capacidade da Widelabs de criar um produto tão inovador quanto anunciado. Nogueira chegou a desafiar a startup a participar de um teste de autenticidade para verificar se o Amazônia IA é realmente independente de modelos estrangeiros.

O papel do governo e a busca pela soberania em IA

O governo brasileiro, por meio do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, busca desenvolver “modelos avançados de linguagem em português, com dados nacionais que abarcam nossa diversidade cultural, social e linguística, para fortalecer a soberania em IA”. O plano prevê um orçamento de mais de R$ 1 bilhão para alcançar esse objetivo, mas os especialistas alertam que a criação de uma IA soberana não é algo que possa ser realizado rapidamente.

A startup Widelabs teve reuniões frequentes com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) nos últimos meses, mas a pasta afirmou não ter vínculo oficial com a empresa. Enquanto isso, as críticas sobre a originalidade e transparência do Amazônia IA continuam a crescer, com a comunidade de IA aguardando os próximos passos da startup e do governo brasileiro nesta jornada tecnológica.